sexta-feira, 27 de julho de 2007

Ao mundo

E de repente você está em um lugar que não parece o Brasil. Todos falam em inglês. Algumas conversas em francês, japonês, inglês norte-americano e alemão. É... isso é um congresso internacional. E você se sente bem no meio do olho do furacão. Isso é no Brasil, mas o clima é diferente.
Na segunda-feira, primeiro dia do congresso, tudo parece estranho. Na quarta-feira você já está mais acostumada e sorri com maior confiança ao cumprimentar os outros congressistas. Mas na sexta-feira sua cabeça já não funciona mais... estafa mental. Outra brasileira diz para um colega: "cansei... agora vc vai traduzindo pra mim, porque não consigo pensar mais." Ufa, ainda bem que não sou só eu. Fim do congresso, em uma churrascaria tipicamente brasileira, num dia de sol, com um calorzinho bom. Ah, estou no Brasil mesmo.
O balanço geral é positivo: bons contatos com um pessoal de fora do país, uma publicação internacional realizada e possibilidade de uma passagem para Belfast no próximo ano.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Mau humor na sexta-feira


Sexta-feira, quinto dia útil do mês. Você acorda contente porque o final de semana está próximo.
Então você lembra que hoje é dia de receber o seu dinheiro para pagar suas contas do mês. Apesar do valor da bolsa ser quase uma piada (2,47 salarios minimos para você se matar de trabalhar no mestrado), dá pra pagar tudo certinho em dia.
Então você vai trabalhar, ainda feliz, liga o computador, entre no site do banco e acessa sua conta.

OH.... qual não poderia ser a maior surpresa... sua bolsa não caiu. MARAVILHA! e tudo muda de cor nesse dia.
Você lembra que as contas estão pra vencer... luz, condominio, dentista... fora que você tem que abastecer o carro, pagar pedagio... ai que horror.

Acabou o bom humor. O dinheiro está em algum lugar que não é sua conta.
E o final de semana ainda está próximo, mas a diferença é que você não tem o dinheiro para fazer nada.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Lixo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612
- É.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é...
- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...
- Na verdade sou só eu.
- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- A senhora... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é...
- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...
- É que eu estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você já está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler...
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...
- Ontem, no seu lixo...
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...
- Jantar juntos?
- É.
- Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha?
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.

- No seu lixo ou no meu?
(O analista de Bagé - Luis Fernando Veríssimo)